Terminal
- Jason Prado, DP
- Dec 29, 2019
- 2 min read

Ainda respira, mas já não tira do ar o que precisaria para gemer. Agoniza mudo com os sopros da máquina que injetam os fios de falsa esperança em seu sangue. Delira com drogas que mantêm seu corpo sereno, enquanto os olhos giram frenéticos sob as pálpebras semicerradas. O que estariam vendo aqueles olhos irrequietos?
É certo que morto estaria melhor, já que mortas estão sua existência e possibilidades. A cada um que o vê, transmite imóvel sua derradeira súplica: por misericórdia, me libertem…
Mas também transmite um adeus sem traumas, anestesia memórias e sentimentos de perda, e os vivos que o cercam precisam de sua presença agonizante para metabolizar sua partida. E assim, ele é mantido preso aos fios, delirante de pulsos elétricos, sonhador de alucinações injetadas, navegante de ventos forçados…
Assim termina 2019.
Assim termina uma década perdida para milhões, quiçá bilhões de pessoas, que vêem o ano se arrastar há uma semana com cara de 31 de dezembro. Precisamos dessa morte lenta para receber a próxima década de braços abertos. Com esperança.
Não só nós, os cariocas da Copa e das Olimpíadas. Do Porto Maravilha; da segurança restabelecida pelas UPPs; de Cabral, Pezão, Eduardo Paes. De Picciani e Fetranspor. De Crivella...
Todos os brasileiros de Dilma e Aécio; de Temer, Renan e Jair; de Flávio, Queirós e Tóffoli. Dos nossos nem-nem e de nossos desempregados - as vítimas da marolinha e dos contos-de-vigário de nossos ídolos. E de nossos Parlamentares: desconhecidos sem face que deveriam nos representar, aqui, ali e acolá.
Todos os seres humanos que respiraram com esperança a primavera árabe, que comemoraram o Acordo de Paris… e que assistiram à eleição do Pato Donald, à estranha influência do Putin, às cacetadas dos Black Blocks, à ascensão do Juiz…
Os que esperaram e sonharam com um mundo sem fronteiras; com a extinção das diferenças; com a liberdade de credo; com o fim do nacional-socialismo; e com a reversão do aquecimento global.
Esses dias de marasmo e calor, de praias lotadas, de parcas notícias, e com as redes sociais dedicadas às mais toscas interações dos adoradores do próprio umbigo, devem servir para que nos despeçamos da década matando qualquer vestígio da mais leve saudade.
Vá! Parta em paz, quero dizer. Leve suas mazelas.
Mas ainda faltam três dias…