La Binoche - Um patrimônio do cinema francês
- Luciano Bastos, DP
- Oct 5, 2019
- 3 min read

O cinema francês já nos legou atrizes icônicas que traziam uma forma mais transgressora de atuar, seja ao transbordar sensualidade, angustia ou uma coragem extraordinária de revelar as profundezas de suas personas. Jeanne Moreau foi o símbolo da nouvelle vague. Quem poderia deixar de registrar Les amants e Ascensor para o cadafalso com atuações que revelavam mulheres dominantes, exatamente o inverso das mulheres vitimizadas e previsíveis que o cinema americano mostrava com tantas cores e nuances.
Brigitte Bardot escandalizou o mundo como a mulher fatal pronta a colocar a sua sexualidade acima de qualquer preconceito. Isabelle Hupert que, depois de mergulhar no personagem Madame Bovary de Flaubert, tem mostrado cada vez mais a capacidade de entrega absoluta em seus papéis.
Como deixar de citar a estonteante beleza atrevida de Emmanuelle Béart sendo pintada inteiramente nua para Michel Piccoli em A bela intrigante. A lista vai longe, Isabelle Adjani (Camille Claudel), Fanny Ardant, Danielle Darrieux e a eterna Catherine Deneuve.
Nesta constelação de atrizes que reunem beleza e talento, não há como não destacar a importância de Juliette Binoche na cinematografia que já nos deu nomes de vanguarda como Godard, Truffaut, Resnais, Tati, Chabrol, Rivette, Autant Lara, Berri e tantos outros.
Hoje com 55 anos, Binoche nos surpreende com uma atuação sem maquiagem e sem disfarces em Quem você pensa que sou, interpretando uma mulher de meia idade, abandonada pelo marido seduzido por uma jovem, e que continua brigando com suas frustrações alimentadas por uma sexualidade ainda presente, um desejo ardente de pertencimento, onde não hesita em manipular sentimentos e forjar perfis imaginários numa obliteração completa de sua identidade. Um filme extraordinariamente duro com a questão da idade, do amadurecimento e do inconformismo como consequência dessas correntes temporais. Foi ao ver esta semana na tela grande uma Juliette Binoche em estado de graça que me fez pensar em suas diversas atuações ao longo dos últimos 35 anos.
Ainda uma menina de 21 anos, Binoche fez seu primeiro papel de protagonista em Rendez vous de Andre Techine, onde já mostrava um ar atrevido e impetuoso que iria acompanhá-la ao estruturar suas composições. Algum tempo depois veio o papel que já a projetava como estrela. Ao lado de ninguém menos que Daniel Day Lewis ela faz o principal papel feminino de A insustentável leveza do ser baseado no best seller de Milan Kundera. Seguiram filmes extraordinários que abordam o sofrimento humano na sua mais profunda equação como Perdas e Danos (Domage) de Louis Malle, onde atua ao lado do extraordinário Jeremy Irons e A Liberdade é azul (Blue) que faz parte da célebre trilogia Trois Couleurs de Krzystof Kieslowski.
Em Chocolate ela brilha, cheia de beleza e charme, ao lado de Johnny Depp, em Fuso horário do amor mostra talento também para comédias românticas e açucaradas e, já mais madura, mostra que a idade não lhe subtraiu a beleza. A deusa suprema é como um amigo meu, cinéfilo de carteirinha se refere a ela.
Mais recentemente, destaque para Acima das nuvens (Clouds of Sils Maria), onde ela faz o papel de uma atriz tentando se encaixar em papéis apropriados, vivendo a angustia de uma nova fase onde não mais se encaixam papéis românticos, deixando isso para a sua jovem discípula, vivida com entusiasmo por Kristen Stewart. Outro destaque fica para A espera (L’Attesa), um drama excepcional que, de tão triste, dói na alma.
E só para terminar, como esquecer a cena mágica de O paciente inglês (The English patient), onde ela é guiada como se fosse uma pipa humana por um amigo indiano para apreciar os belíssimos afrescos de um templo. Ali, La Binoche coloca o seu sorriso arrebatador numa cena de contemplação dela como personagem e nossa, embevecidos com o olhar grudado na tela.
Cinema é magia e Binoche é uma das feiticeiras que faz isso acontecer.