A cultura do atraso
- Jason Prado - DP
- Sep 6, 2018
- 3 min read

É difícil de entender. Mas é mais difícil, ainda, explicar.
Nós, brasileiros, cultuamos o atraso naturalmente. Não importa que seja uma herança nativa - pré-colombiana, como costumavam dizer os catequizadores -, ou ibérica, como costumam contrapor os que chegaram atrasados ao banquete - os anglo-saxões, por assim dizer.
Faz parte da nossa cultura buscar os atalhos. Os caminhos fáceis. O acostamento, que se estende vazio e convidativo às nossas urgências, ou a porta da garagem, onde a segurança foi desativada.
Essa não é uma definição, mas uma concepção do antiético. Daqueles que se comportam desconsiderando a existência do outro. Que juram fazer parte da sociedade perfeita.
A terra do terceiro milênio é recheada desses filhos da puta. E, com certeza, isso não é privilégio nosso. Mas somos, seguramente, a maior Nação de iniciados nessa seita.
Professamos essa fé no cotidiano: dos atos mais frugais, como furar a fila de pais na saída da escola, até atitudes mais elaboradas, como o aprimoramento da desfaçatez, tornado requisito essencial para o exercício da vida pública.
Cheguei a essa conclusão tardiamente na vida.
Exatamente aos sessenta e cinco anos, há pouco concluídos, e curiosamente observando as placas de velocidade numa rodovia estadual, na interior do Rio de Janeiro. Uma rodovia essencialmente comum, cortando vilarejos que brotaram à sua margem, enquanto liga a capital às cidades que lhes deram origem.
Do nada, no meio de uma reta, em cujo cenário nada mudou, a velocidade passa de 80 km por hora para 40, 60 ou 50. De certo deve ter uma lógica, mas é muito complexa para o nosso nível.
Não é a situação de risco que determina a redução e a ordem. É o potencial de arrecadação que representa. Passar de 60 pra 40, numa descida longa, não é consequência do risco de capotamento na curva adiante. Ou cuidado extremo com a natureza, protegendo eventuais Tamanduás Bandeira, ou Bichos-Preguiça cruzando a rodovia… Trata-se de mera sanha arrecadadora misturada com preguiça.
Em qualquer lugar do mundo, inclusive em Terra-Brasilis, se uma curva é perigosa, investimentos serão feitos para torná-la mais seguras. Se há adensamento urbano com riscos de atropelamentos, providências serão tomadas para evitá-las, como sinais de trânsito…
Todos sabem que multas enchem as burras de quem as explora: tanto o administrador público quanto o concessionário do serviço. Mas isso seria apequenar a cultura do atraso.
Cultura do atraso é, antes de mais nada, um posicionamento político. Uma forma de enxergar o problema, e propor soluções.
Senão vejamos: é verdade que instalar essas arapucas tem um efeito educacional? Evita alguns tipos de acidentes graves? Também pode, ainda, render uns trocados para a administração local? Inegável!
Mas essa é a melhor maneira de enfrentar o problema? O conjunto de resultados que traz é o mais satisfatório?
São inúmeros os aspectos que dizem não a essa questão: 1. não é a melhor maneira de evitar acidentes; 2. não é a mais econômica; traz consequências danosas ao consumo de combustível; 3. trava a economia das cidades conectadas, aumentando o custo e o tempo de percurso…
Poderíamos falar, também, é claro, na oportunidade que cria para a corrupção dos agentes do poder concedente. Dos desvios de recursos privados para manutenção de uma máquina ineficiente…
Não é um caso isolado. Estão aí as tomadas de três pinos, que não aterram as redes elétricas; As auto-vistorias, que não impedem os acidentes; a Constituição da República, totalmente emendada pelos “legisladores sem voto”, os togados do Supremo; a política de cotas inclusivas; os cartórios de reconhecimento de firma…
Este é o conceito determinante da cultura do atraso: não importam as consequências, não importa a racionalidade; Se atender ao “meu propósito”, dane-se o resto! Parece maldição. Ou praga de fada madrinha.
Vamos denunciar isso juntos. Quem sabe, um dia, quebramos o encanto?
Comments