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Simplesmente um casal

  • Luís Eduardo P. Basto
  • Jun 18, 2018
  • 3 min read


Conheci os dois no aniversário de uma amiga comum. Pareceu-me um casal normal, levemente imperfeito como os relacionamentos sadios devem ser. Ela falava mais, por vezes atropelando as intervenções que ele tentava fazer. Parecendo acostumado, não lhe causava irritação. Longe disto. Seus olhos transmitiam até alguma satisfação por não ser obrigado a ter uma opinião. Livres, aqueles olhos procuravam na festa algo que – até onde acompanhei – não encontraram naquela noite. Fim de noite, enquanto os amigos mais chegados aproveitavam os preguiçosos momentos do pós-festa, a aniversariante me perguntou se tinha achado estranho aquele casal. Diante da resposta de que a maior estranheza seria a própria aparência de normalidade, minha amiga sorriu e emendou: - Até você vai se surpreender. Minha amiga pensa que estou preparado para qualquer coisa – por causa da minha imaginação fértil e do ar blasé com que enfrento o mundo. Ela não sabe que a indiferença é uma proteção. Sou desconfiado e não costumo errar nos meus julgamentos sobre as pessoas. Mas sempre me assusto com a atração do ser humano pela crueldade, mesmo quando associada a sentimentos mais nobres como solidariedade e justiça. Quem diminui a velocidade do carro para observar um acidente ou vibra com um massacre no UFC entende o que estou dizendo. - Desde que se conheceram, os dois queriam uma relação 100% verdadeira. Tive que encobrir o falso bocejo engolindo um salgadinho frio. - Chegaram à conclusão que a fidelidade, se não impossível, seria bastante difícil. Por outro lado, a traição, mesmo admitida como hipótese, não poderia ser banalizada. A infidelidade deveria custar caro. O tema de Love Story começou a tocar na minha cabeça. Ou eu teria adormecido e aquilo era um sonho? Afinal, um pesadelo não pode ter Love Story como trilha. - Primeiro, combinaram que, quando pulassem a cerca, contariam imediatamente para o outro. Sem entrar em detalhes de nomes e lugares, para não torturar. O mais interessante é estabeleceram uma penalidade. Precisariam entregar ao traído um décimo do salário. A ideia é que doesse no bolso. E servisse como freio aos instintos. Não sei o motivo, mas a ironia de minha amiga me chocou. O acordo daquele casal era honesto e terrivelmente racional. Como diria a antiga campanha de uma bandeira de cartão de crédito, poder pagar para se aliviar de uma traição não tem preço... Mas não resisto a comentar, mesmo correndo o risco de expor minha curiosidade: - Este dízimo do pecado até que é interessante. Mas colocar em prática...

- Até onde eu sei, ele já pagou duas vezes. Numa delas, ela até me mostrou o vestido lindo que havia comprado com o dinheiro – interrompeu minha amiga. Eu ainda precisava saber: - E ela? - Três vezes. Houve uma quarta, mas ela tava dura e achou também que ele poderia ficar incomodado com um placar de 4 a 2. Como eu disse, a bondade pode ser cruel. - Para mim, o incrível é a praticidade. Como ela me confidenciou, a partir da segunda traição, simplesmente passaram a entregar o cheque para o outro. Sem explicações, arrependimentos ou desculpas. Não vai dar certo. Quando as finanças não estiverem bem, irão torcer por uma escapada do outro. Ou pior. Um dia, o traído olha o valor do cheque e pergunta:

- E aquele aumento de salário que você comentou que havia recebido? - Será que eles são felizes? Minha amiga pode não compreender, mas aquela singela preocupação mostra que ainda existe esperança de salvação para a humanidade.

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