Domicílios postiços
- Sérgio Bandeira de Mello, Gico
- Apr 23, 2018
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Depois de décadas e décadas de crimes, contando com o mais caro dos advogados criminalistas, este o símbolo máximo da impunidade seletiva aos abastados, Maluf foi condenado em derradeira instância. Sem mais embargos de qualquer natureza para protelar legalmente a pena, passaria alguns anos em regime fechado.
Entretanto, por razões humanitárias, a desumana criatura que desviou e escondeu milhões e milhões para a sua perpetuação no poder, mas que tomou a medida cautelar de destinar gordas reservas à garantia de sua permanente defesa, o político paulista ri por último por possuir um mini Ibirapuera para chamar de pátio para o banho de sol.
Enquanto a bandidagem pé de chinelo mantém-se enjaulada em condições sub-humanas, o apenado que é ícone da corrupção governamental encontra-se sob a aparente custódia do estado em uma cinematográfica mansão nos Jardins, dotada de todo conforto que o dinheiro e a tecnologia podem comprar.
Portanto, dentre as mais estapafúrdias condenações a que estamos acostumados a ver Gilmar, Toffoli & Associados baterem o martelo monocrático, ou decidirem na fechada turminha colegiada, resplandecem determinadas prisões domiciliares.
Considerada a quantidade enorme de agraciados, não me espantaria em ver surgir uma nova publicação voltada ao seleto público do Lava Jet set internacional com passaportes apreendidos, talvez uma Casa Cláudia Cruz Interiores. Não faltariam bancas advocatícias anunciantes associadas aos negociáveis editoriais, em que a delação premiada e a condenação em segunda instância seriam sempre desancadas.
Sim, pois tenho claro que, a depender do colarinho branco ou do colar da H. Stern ou Antonio Bernardo, garanto que muita gente pagaria uma boa grana para usufruir de tal mordomia compulsória por um tempinho.
Na hipotética revista, ricamente encadernada, com tabelas de páginas caríssimas e descontos mirabolantes, ótimo recurso legal para lavagem de dinheiro sem rastro, nós veríamos como vivem aqueles pobres diabos – bem mais diabos do que pobres – condenados à pena de aconchego em solar; período sabático em resort ; clausura privê degustação, na qual um espaço gourmet e uma sortida adega exclusiva seriam itens absolutamente obrigatórios.
Adriana, mãe amantíssima, primeira a ser alvo de reportagem, não se furtaria a nos brindar com a sua intimidade prisional Vip com vista indevassável para o mar. Imagino as suas plangentes aspas: “Se o sol da manhã nasce quadrado no Leste, fazendo rebrilhar um multiespelhado oceano Atlântico, a Lagoa faz realçar ainda mais a majestosa Floresta da Tijuca, verdejante joia da Serra do Mar, esmeralda que lembra o meu distante marido. Rogo para o Redentor, ao pé do Corcovado, para que a segunda turma o julgue, para ele se juntar a nós.”
Já há uma infinidade de candidatos às posteriores edições, destinadas à vida de nossas corruptas celebridades passivas e ativas – Eike, Marcelo Odebrecht, Joesley, Nuzman, Picciani, etc. Já o famoso sítio de Atibaia estrelaria uma matéria sobre presídios de campo, como Paulinho de Lula inaugurou em Itaipava.
Enfim, para que corrijamos o absurdo relativo à execução penal, deveríamos ter um apartamento padrão, um domicílio postiço para o cumprimento da pena, próximo ao presídio base. Por exemplo, Maluf passaria seus próximos anos em um apartamento de quarto e sala em Tremembé com atendimento pelo SUS. Cabral, quando tivesse direito à progressão do regime, ocuparia uma quitinete em Bangu ou Benfica, a gosto de Adriana, com quem viveria feliz para sempre.