Primeiros erros
- Luís Eduardo P. Basto
- Mar 28, 2018
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Os festivais da canção estavam no auge, ali bem perto, no Maracanãzinho. Porém, aos seis anos, só sabia que a música “Cantiga por Luciana” não parava de tocar no rádio. Achava muita coincidência que se chamasse Luciane a menina que morava no meu prédio e que todos diziam ser minha namorada. Sentia-me orgulhoso no papel de namorado. Apesar de companheiros de brincadeiras na pracinha e no térreo do edifício – eram tempos em que não existia playground –, entendia que ela era mais do que uma simples amiga. Chegou, então, o dia do aniversário da Luciane. Fui deixado sozinho na festa. A um lance de escadas do seu apartamento, estava seguro, mesmo que um tanto desconfortável com os comentários dos adultos sobre ‘o namorado da Luciane’. Mas resistia. Até que surgiram a música lenta e a mãe da aniversariante. Hora da dança, ela disse. Somente compreendi o que as palavras significavam quando vi, atrás da mãe, o rosto envergonhadamente animado de Luciane. A perspectiva de abraçar minha namorada e de dançar na frente de todos me lançou num pavor tão inexplicável quanto desconhecido. Sem conseguir raciocinar, comecei a costurar a mentira mais elaborada da minha curta existência. Eu queria dançar, mas um machucado muito sério e recente na barriga, provocado por um ataque de cachorro, não me permitiria o abraço, por causa do curativo. Tadinho, foi a resposta da mãe de Luciane. Ela sentia pena de mim. Mas não era por causa do ferimento. Confesso que não me lembro de mais nada da festa depois daquele momento. Mas meu namoro jamais se recuperou daquela desculpa ridícula. Vida que segue e aquela lembrança que eu queria esquecer parecia mesmo esquecida. Um dia, após uma quantidade razoável de álcool, Alexandre, grande amigo dos tempos de faculdade, me fez a pergunta aparentemente maluca: - Qual foi o seu primeiro erro? Voltou tudo instantaneamente. Não a sensação real. Era mais como assistir um filme. O medo, a vergonha antecipada, a vergonha ainda maior da desculpa, a decepção de Luciane, o desconforto persistente ao dançar (que sumia apenas quando me sacudia tão freneticamente que não conseguia pensar), a dificuldade de lidar com abraços. Por vários anos, discutimos se os primeiros erros eram causa ou sintoma inicial de comportamentos aparentemente ilógicos. Concordávamos, porém, num coisa. Esses erros eram o big bang da nossa personalidade. Tudo concentrado naquele ponto. E, de repente, se expandindo numa velocidade estonteante.
O primeiro erro não pode ser apagado. Porém, não devemos ser reféns dele. Apesar de ser impossível explicar racionalmente o que realmente o provocou, podemos tentar controlar seus efeitos, conviver com ele, encontrar formas de enganá-lo. Fugir seria o nosso segundo erro.