top of page

Morte matada

  • Sérgio Bandeira de Mello, Gico
  • Jan 18, 2018
  • 2 min read

A expressão do título não era para ser publicada em jornais, proibida na cabeça e até no corpo da matéria, policial ou fúnebre. Surgia apenas em livros, sobretudo de ficção, porquanto coloquial em demasia.

Pena que a dupla está morrendo de morte morrida, de fraqueza, pela pouca leitura de romances.

Mas, em outros tempos, a morte matada era, sim, ouvida em cada caso (ainda) vivido por fulano, contado por beltrano, em contraposição à morte natural, na cama, no catre ou na rede. Ou ainda vítima de manga com leite e banho depois do almoço, entre outras combinações fatais, causadoras das congestões e indigestões fulminantes, além das notícias que faziam estourar o coração daqueles que não sentavam para ouvir as mais trágicas mensagens.

Eram tempos de poucos acidentes, pois não havia a fatídica alternativa na pergunta de sicrano sobre o trágico destino do personagem do dedo de prosa. Havia sempre um suspeito de matar fulano, até um vento encanado na origem do funesto caso, e não era o importado mordomo.

Pois para o óbito político de Lula, morte anunciada pela moribunda presidenta petista, será preciso matar gente.

Sempre pela linguagem oral, que o vento leva, vidas secas de livros, pública e privada, o conselheiro da desesperada dirigente partidária recorreu à fake history, versão pós-moderna da história tendenciosa. Esta costuma ser contada pelos vitoriosos, o que não foi o caso de Canudos, onde só houve perdedores.

Decerto emprenhado pelo ouvido por um historiador amigo, presente ao Teatro Casa Grande, cada vez mais longe da senzala, que tinha ouvido o galo cantar em Brasília, mas com olhos voltados para Porto Alegre, o tio trisavô do juiz virou bisavô por causa da linhagem, da árvore plantada em Monte Santo.

Talvez para parafrasear Vandré, para não dizer que ele não falou de Flores, Lula promoveu post mortem o coronel a general e o fez matar Antônio Conselheiro, mesmo três meses após o militar ter morrido de morte matada.

Entretanto, a pior morte, igualmente matada, de que se teve notícia daquela noite particularmente tenebrosa no Leblon foi a do bom senso, que pode ser resumido ao entusiasmado aplauso à condenação da liberdade de imprensa pela prometida implantação do macabro controle da mídia.

Se tem articulista que assina embaixo a anunciada execução do pensamento livre em sua coluna; se tem jornalista fora das publicações companheiras que bate palma ao pensamento único; se tem artista que apoia a censura implícita no programático eufemismo da regulamentação; se ainda tem cínico alfabetizado que defende os assassinos da palavra encenada e publicada, fica difícil conversar, procurar consensos.

Só matando essa gente de vergonha, como preconizou aquela que há de definhar fora do atual foro privilegiado, vítima da falta de escrúpulos, que há de morrer de morte morrida, talvez na cadeia, na falta de um revigorante indulto camarada.

bottom of page