top of page

Conto de Natal: nos céus de Benfica

  • Sérgio bandeira de Mello, Gico
  • Dec 26, 2017
  • 3 min read

O trenó despontou no horizonte estrelado, mas era apenas mais um objeto voador identificado, às raias de superexposição desde as primeiras manifestações da Leader Magazine. Portanto, passou despercebido como o mosquito da dengue, os voos de Crivella, a voz da Simone, o especial de Roberto Carlos, os insultos dos indultos e os pré-datados natalinos, estes ofuscados pelos parcelamentos no cartão. Até 2015, graças a Cabral, babás, manicures e cabeleireiros cruzavam os céus do Rio em direção a Mangaratiba, havia trânsito pesado de helicópteros no espaço aéreo compreendido entre a Zona Sul a Costa Verde. Lá de cima, sem GPS ou Waze, perigoso aplicativo móvel pelo que soubera por uma cartinha mais detalhada, navegando apenas com o Cruzeiro do Sul e as três Marias disponíveis no firmamento, Noel falou pra si mesmo: minha turminha galopa no ar. Ufa, sorte a minha! Com essa infinidade de buracos e quebra-molas, e mais os malditos pardais e câmeras de segurança para aumentar a pífia arrecadação estadual, cheio de presente pra distribuir, não sei não. O bom velhinho compreendeu que seus duendes continuavam insuperáveis. Os baixinhos permaneciam melhores que os coreanos e mais baratos que os chineses. Alongando seus músculos, em particular o deltóide, motor da articulação úmero-escapular, imprescindível às chicotadas nos animais de tração, o velho, após sacudir a carcaça, entregou-se a um momento de reflexão. Cofiando a barba, enquanto sobrevoava Benfica, vindo de Bangu, o lapônio da gema admitiu o ódio ao serviço nos trópicos. A sistemática falta de chaminés, aliada aos vigilantes das milícias e aos pit bulls, inclusive humanos, incomodava.

Pra complicar o Natal de 2017, havia uma confusão horrorosa entre os endereços de certos remetentes. Postada de Benfica, um garotinho já havia sido reprogramado para receber sua lembrancinha em um pavilhão de Bangu, mas não foi encontrado o seu sapatinho próximo à árvore, apesar do gordo pé de meia.

Já determinada rosinha, que pedira uma tornozeleira de florzinha, desistiu de usar o enfeite por causa de um concorrente desleal do bom velhinho: um padrinho vitalício de meia idade. Coração e boca moles, Gilmar não se esquece de ninguém que encaminha sua cartinha devidamente protocolada ao monocrático Supremo. Gilmar era tão popular que havia sido transformado em verbo, sempre empregado no imperativo, o preferido dos verdadeiros patrões.

Ao contrário de Papai Noel, todos os advogados acreditavam no bom ministro, última esperança de os abastados constituintes passarem em casa a data magna da cristandade.

Quimera ou não, dizem que se encontraram nas nuvens carregadas do Rio, próximas a Benfica. - Sai da frente, ô da toga preta! Preciso passar!

- Aguarde o trâmite institucional!

- Você sabe com quem está falando? Sou uma das mais sólidas instituições do capitalismo ocidental. - Nem juizeco de primeira instância você é, como diria meu afilhado Renan. Deve ser mais uma aberração jurídico-natalina produzida pelo Janot. Tem habeas corpus nesse saco ridículo, claramente inconstitucional? Isso pra não falar do desumano sacrifício das renas no trenó, crime inafiançável e imprescritível, a não ser que eu consiga gilmar o senhor.

- Habeas corpus. Nem sei o que é isso. Não falamos língua morta na Lapônia. Absurdo! Eu tenho presentes pra distribuir. Aqui está uma tornozeleira eletrônica rosa, pedido vindo em uma cartinha que se tornou pública na tevê. - Não precisa mais. Graças a mim, ela está novamente em campo, em Campos, fica pro Norte, no caminho da sua casa.

- Mas também trago brincos, anéis e colares Antonio Bernardo e H. Stern pra uma comportada estudante de Teologia!

- O endereço está errado. É no Leblon, na quadra da praia. Seriam joias penhoradas para honrar os honorários dos seus medalhões, mas nem precisa mais, Papai Noel.

- Vai dizer que o Serginho também voltou pro Leblon.

- Não por que não recebi cartinha dele. Deve ter ido pra você. Esteja à vontade, mas no natal que vem, nem precisa aparecer por aqui. E se vier, venha de ônibus, o transporte mais legal por aqui.

bottom of page