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Jack Daniel's & La belle de jour

  • Luís Eduardo P. Basto
  • Dec 13, 2017
  • 2 min read

De frente para o copo com a dose dupla de Jack Daniel’s intocada, meu amigo desabafa:

- Eu vi. Os dois saíram caminhando, lado a lado, aquela conversa tipo bolha. Isolados de tudo. Pessoas, carros, paisagem, tudo estava do lado de fora. Ela sorria como se fosse uma camponesa passeando num campo de trigo.

Não compreendo o desespero, mas fico impressionado com o gelo já quase totalmente derretido no copo e, principalmente, com aquele olhar, sei lá, desconectado. Olhos de cego.

- Você está exagerando.

Meu amigo não responde de imediato. Desliza lentamente as duas mãos pelo cabelo agora já um tanto ralo, até a nuca. Como envelheceu.

- Eu estava lá. Eu vi.

Se fingir que estou perdendo a paciência... pode ser que isto o acorde.

- O que foi que você viu? Nada! Por que afinal você foi atrás dela?

Meu amigo permanece tão imperturbável quando o Jack Daniel’s.

- A imagem está congelada na minha cabeça.

Ele respira profundamente e completa.

- Perguntei o que ela ia fazer durante a tarde. Não respondeu. Parecia esconder alguma coisa. Não resisti e bisbilhotei o celular quando ela foi ao banheiro. Estava lá a mensagem dele, convidando para um café, antes de ir para outro plantão.

Eu começava a me sentir tão suado quanto o copo que guardava agora o bourbon aguado.

- Coisa de médico ocupado. Mas o que você tinha na cabeça quando foi lá? Queria um flagrante?

Foi difícil segurar o riso diante da combinação da minha frase e do rosto crispado do meu amigo. Se ao menos ele desse um gole naquele Jack Daniel’s...

- Não sei como você consegue brincar. Cara, estou sofrendo.

- Você disse que, depois de se despedirem, ela foi direto pra casa.

- Sim, foi difícil por causa do meu estado, mas eu a segui.

A garganta aperta. Já fiz sinal para o garçom e ele me ignora. Preciso de um Jack Daniel’s para continuar a ouvir a história.

- Há quanto tempo vocês estão juntos?

- Quase quatro anos. Nunca pensei que isto poderia acontecer.

Acho que não vou conseguir sem um trago. O maldito garçom sumiu.

- Pelo amor de Deus, o que você viu? Eles se beijaram?

A mão do meu amigo se aproxima do copo. Mas não o toca.

- Enquanto caminhavam, as mãos se entrelaçaram. Foi a coisa mais apaixonada que presenciei na vida.

Queria gritar. Com meu amigo, com o garçom. A boca seca nega este meu último desejo.

- Nunca pensei que ela poderia me trair. Que ela poderia se apaixonar por outro.

Mando às favas as boas maneiras e agarro com certa brutalidade o copo do meu amigo. Enquanto o bourbon quase quente escorre pela garganta, escuto, longe, as suas palavras.

- Que ela poderia me trair com o próprio marido.

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