Precisamos de justiça!
- Luís Eduardo P. Basto
- Nov 10, 2017
- 2 min read

Convocado como testemunha em uma ação judicial, jogo conversa fora com outros na mesma condição, aguardando o momento de ser chamado. Na verdade, presto pouca atenção, pois estou fascinado com a vida que desfila no longo corredor do Fórum do Centro do Rio. Advogados, acusados, acusadores, estudantes, vendedores, funcionários, seguranças. Quase todos apressados, consultando seus papéis e os quadros de aviso das varas de justiça, entrando e saindo por intermináveis portas. Em comum, também uma espécie de tensão, um desconforto controlado que paira ao redor de todos.
Apesar da velocidade com que se sucedem, tento descobrir as histórias destes personagens do filme exibido só para mim. Observando seus olhares, como caminham e se vestem, deduzo o que fazem ali, onde moram, seus projetos e medos, se têm alguém em casa esperando por eles. Minha esposa sempre me censura quando banco o detetive.
Mas percebo algo ainda mais divertido. Acompanhar as conversas que surgem e desaparecem, como vagalumes tímidos querendo chamar minha atenção e depois fugindo envergonhados.
Por algum motivo que não compreendo, só consigo distinguir uma das vozes nos diálogos mais interessantes.
- Gosto de assistir briga de família por herança... Não sei como não ficam com vergonha na frente do juiz... Se for verdade metade do que um irmão fala sobre o outro, do que uma mãe fala do filho, dá vontade de pedir pro juiz dar o dinheiro do falecido aos pobres... Eu sou pobre...
A voz submerge rápido naquele rio de pessoas. Fico curioso para conhecer os podres das famílias disputando o espólio. Outra voz sai d’água e fisga minha atenção.
- Você sabe que tem ladrão no Supremo... Você sabe. Aquele desgraçado... Não preciso nem dizer o nome. Você sabe...
Por que não disse o nome? O meu lado fofoqueiro não aguenta!
Instintivamente, posiciono meus ouvidos na direção de duas mulheres que surgem à minha direita. Não vejo os rostos, mas percebo que estão arrumadas. A ida ao Fórum é um programa social.
- A Lilinha é muito besta. Arrumou um namorado não tem 15 dias e já começou a encontrar defeito... Ela diz que vai fazer 35, mas tá 41 ou 42... Minha mãe sempre me disse. Aos vinte anos, a gente casa com quem a gente quer. Aos trinta, com quem quer a gente. Aos quarenta, com quem aparecer...
Foi preciso ir ao Fórum de Justiça para confirmar que a vida não é justa.
Sou chamado pelo microfone. É a minha vez de testemunhar. Abro a porta e descubro quer vou falar para uma juíza, quarenta e poucos anos. Preciso refrear o impulso de contar o que acabei de ouvir, logo ali fora, no corredor.