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A Genealogia da Raiva

  • Sérgio Bandeira de Mello, Gico
  • Oct 29, 2017
  • 2 min read

Procure saber que o ‘cala boca’ havia morrido fazia pouco tempo, sufocado no rastro das biografias não autorizadas. O tiro de misericórdia, desferido pela certeira relatora, abreviaria os últimos estertores da censura.

Publicado o primoroso obituário, transcrita a magnífica peça de oratória que acompanhara o féretro, a cerimônia que tampava o caixão parecia sacramentar de vez a passagem da censura para o além, e não para melhor, pois melhor ficávamos aqui sem ela.

O fantasma da censura ainda arrastava algumas correntes aqui e ali, mas ninguém poderia supor que pudesse ressuscitar no mesmo lugar do enterro, o plenário do Supremo, agora Subpremo, rebaixado que foi à segunda divisão dos poderes no episódio do famoso 6 a 5 a favor dos “alemão”, placar capaz de envergonhar qualquer 7 a 1 em prol dos alemães.

Quis o destino, com toda vênia amparado pelo regimento da Corte, que a relatora boa de mira estivesse na presidência para atuar no sentido oposto. Visivelmente constrangida, como de hábito, Sua Excelência mandou dois de seus colegas calarem a boca em plena sessão, aos olhos incrédulos de todo um Brasil boquiaberto. Fato é que a plateia queria sangue, suor e lágrimas no ringue, como forma de entretenimento, e não em casa ou nas ruas.

A despeito da audiência, não obstante o prometido Ibope, a censora encerrou a sessão no melhor desse revisitado Telecatch Montilla, quando as togas já vinham prestes a serem despidas ao arrepio do arranca rabo ensaiado; quando partiam para as vias de fato, e não só de direito.

Sem os capangas de Mato Grosso a quem se dirigir, agressão que imortalizara o memorável Barbosa no último grande embate contra Gilmar, o Verdugo, já que o Rasputim Barba Vermelha é seu colega da segunda turma, Barroso vestia o modelo bom moço eternizado por Ted Boy Marino.

Entretanto, ao tentar agredir o rival com a estocada:

- Vossa Excelência deveria ouvir a última música do Chico Buarque: “A raiva é filha do medo e mãe da covardia”, abriu a guarda.

Logo o citado, que tanto batalhou pelas bocas caladas? Logo o defensor perpétuo da presidenta do mau conselho da Petrobras, a desventurada mãe do PAC? Logo ele, confortavelmente sentado à esquerda do deus petista? Logo ele, ídolo dos beatos que seguem o todo-poderoso que nada sabe e nada vê?

Ao reagir à determinação da presidente, porém ao citar o ilustre censor de biografias, o Subpremo ressuscitaria de vez o cala boca. E, de quebra, abriria o filão da genealogia da raiva popular, cuja árvore tem raízes cada vez mais profundas e ramos mais robustos.

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