Desculpem-me, mas não posso perdoar
- Luís Eduardo P. Basto
- Oct 26, 2017
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Bala perdida, assassinato por nada, homem-bomba, incêndio em creche, massacre no show de música. Após o primeiro choque e apesar da curiosidade pela desgraça, tentamos não pensar muito nestas tragédias, agradecendo silenciosamente que não tenha sido conosco.
Seria egoísmo? Prefiro chamar de instinto de sobrevivência. Para seguir em frente, nos tornamos, é verdade, um pouco insensíveis. Vale também como defesa apegar-se a coisas simples e maravilhosas. Como observar seu filho dormindo.
Nem sempre funciona. Viver é proteger o nervo exposto com a capa de um sorriso.
Há momentos em que não adianta fingir que não viu. O enjôo te persegue, o estômago revira. Você tem vontade de pedir pra descer.
É o caso desta história do estudante de Goiânia que matou seus colegas de classe com a pistola dos pais PMs, já quase saindo das capas dos jornais. Tudo é lamentável, triste. A motivação fútil do assassino – é um adolescente, a legislação o protege, mas, por favor, não me venham com o eufemismo de chamá-lo de infrator. A natural desorientação dos alunos que presenciaram aquelas cenas. A inspiração nos massacres de Realengo e Columbine. A facilidade de conseguir a arma. A incapacidade de todos de perceber a tempo que algo estava errado. E até os comentários ridículos de parte da imprensa questionando como um aluno poderia entrar armado na escola. Queriam que existisse detector de metais na porta? Ou que as mochilas dos jovens fossem revistadas?
Mesmo a única coisa boa me pareceu terrível. O relato da coordenadora da escola que conseguiu evitar algo pior mostrou uma pessoa emocionalmente destruída, que levou o entrevistador às lágrimas. Fiquei na dúvida se ela agiu movida mais pela coragem ou pelo desespero. Não faz diferença. O ato heroico é sempre uma mistura destes dois elementos.
Porém, o que mais me chocou não foi um ato de violência ou de desrespeito pela vida. Muito pelo contrário. O que realmente me abalou foi a declaração do pai de um dos meninos assassinados perdoando o adolescente que tirara a vida de seu filho, acusado pelo atirador de ser o líder do bullying. Mais: ele se disse triste por tudo que o atirador e seus pais ainda estariam por enfrentar.
Certamente quem guiava aquelas generosas palavras era o coração despedaçado do pai, precisando encontrar esperança para criar seus outros filhos. Ele sabe que os filhos precisam do amor do pai, não da sua raiva.
Mas eu não tenho a menor preocupação com o futuro de quem o arrancou daqueles dois garotos e de suas famílias, de quem deixou uma menina presa à cadeira de rodas pelo resto dos seus dias, de quem deixou uma ferida para sempre aberta nos alunos e professores da escola.
Não há perdão para quem planejou um massacre – o número de vítimas seria muito maior se não tivéssemos uma mulher de fibra no caminho. Para quem tenta culpar a vítima pelo próprio assassinato. Para quem resolve ferir os outros com o objetivo de se vingar da alegria que não consegue sentir.
Desculpem-me, mas não posso perdoar. Perdoar seria quase como esquecer. O que seria matar ou ferir de novo aquelas crianças.