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Salvo pelo preconceito

  • Luís Eduardo P. Basto
  • Sep 5, 2017
  • 2 min read

Morava em Ipanema com meu pai, tinha poucas obrigações financeiras e me pareceu perfeitamente natural acompanhar meu cabeleireiro quando ele migrou para um salão sofisticado no Leblon.

O corte era um pouco mais caro, mas meu cabeleireiro recebia tratamento de estrela no salão, até com espaço separado para trabalhar. Incômodo mesmo só quando precisava esperar para ser atendido. Clientes falando alto, empregados falando alto, poodles e yorkshires latindo alto. Todos completamente à vontade. Menos eu. Calado e tentando olhar o mínimo para os lados, me sentia pedindo desculpas por não ser gay e torcia para logo ser chamado.

Nunca, nem nas maiores crises de hipocrisia, me achei livre de preconceitos. Mas, tal qual o medo de avião, acreditava que conseguia me controlar e agir naturalmente..

Quando estava naquele sobe-e-desce da cadeira, deixava que meu cabeleireiro conversasse por nós dois – não me sinto confortável em discordar de alguém que tem uma tesoura a centímetros da minha carótida. Quase sempre eram comentários de relacionamentos ou fofocas de clientes famosas, que exigiam de mim apenas silêncio. No máximo, monossílabos.

Um dia, ouvi dele:

- Acho que finalmente descobri a pessoa certa. Vou me casar.

Apesar de temer pelo meu pescoço – ou talvez exatamente por isto –, precisava responder. Simplesmente me livrei daquela obrigação.

- Alguma coisa dentro da gente simplesmente sabe que é a pessoa,

Naquele momento, me senti ridículo pela frase e por fingir não saber que ele era homo. Por sorte ou conveniência, ele logo emendou outro assunto e depois outro e outro, enquanto eu me sentia um preconceituoso estúpido.

Meses depois, já havia esquecido aquela história. Acabara de cortar o cabelo e surge no reservado um casal dos seus 50 anos, aparentando desconforto com o ambiente. Imediatamente, meu cabeleireiro os apresenta, feliz, como seu sogro e sua sogra.

O estranhamento do encontro com aquela dupla, digamos, tão normal, não permitiu que me preparasse quando ele completou, diante de uma morena bonita, sorridente, 20 e poucos anos, que acabara de entrar:

- E esta é minha noiva, Luís.

Fui salvo pelo meu preconceito.

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