Aos que chamam o passado de "bons tempos"
- Luís Eduardo P. Basto
- Aug 29, 2017
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O início de setembro me desperta a lembrança de um estranho ritual da minha infância. Com sete, oito, nove anos, costumava acordar antes dos meus pais no feriado de Independência e, silenciosamente, ia até o quarto da TV – sim, havia apenas UMA televisão na casa de classe média – para assistir, em preto e branco, ao desfile militar. Não sentia qualquer atração especial pelas tropas, pelos generais, pelas armas. Simplesmente ficava por ali, no sofá, com a TV ligada, pensando na vida e navegando pelos verbetes nos livros das enciclopédias, a internet da época. Além da TV, naquele espaço também ficava a biblioteca da casa. Eu era um privilegiado. Tinha à disposição DUAS enciclopédias: Barsa e Abril.
Depois de algum tempo, desligava a televisão e ia brincar SOZINHO de forte apache ou com carrinhos Matchbox no meu quarto, onde meus pais me encontravam ao levantar.
Agora, num estalo, descubro o motivo daquele ritual. Era a transmissão ao vivo, de algo de verdade, que acontecia na rua, na minha cidade. Diferente dos programas de auditório – que eram, como se diz hoje, em real time, mas aconteciam no ambiente artificial dos estúdios – e até da Copa do Mundo de 70, que acompanhei, maravilhado, mas cujos jogos eram muito, muito longe da minha casa...
Pouco importava o que estava sendo transmitido. Eu buscava conexão, mesmo sem saber o que significava. Compreender isto me fez pensar com simpatia nos milhões que se conectam nos grupos de Whatsapp apenas para um singelo ‘bom dia’ ou que respondem com emojis para economizar na digitação. O que importa é sentir que, naquele instante, existe a ligação com um, com muitos.
Observo Dudu, meu filho, 12 anos recém-comemorados, sentado em frente ao computador, com seus fones de ouvido e headset. Deve estar jogando há horas com seus amigos. Conheço todos de nome. São colegas de escola e outros que ele provavelmente nunca encontrará pessoalmente. Esta troca poderia ser a prova da maravilha que é a internet, mas não consigo disfarçar o incômodo de ouvir jovens de Niterói chamando uns aos outros de “mano”.
Penso em falar para ele desligar o computador. Que vá ler algo, assistir TV, fazer algo. Desisto. Vou deixá-lo jogar mais um pouco. É impossível reprimir este impulso por conexão. Que o digam os tanques e soldados da minha infância.