45 anos
- Luciano Bastos, DP
- Jul 17, 2017
- 3 min read

45 years é um filme carregado de sutilezas. Em uma hora e meia o filme alcança de forma surpreendente e, sem sobressaltos, a profundidade humana de seus personagens. Foge do maniqueísmo e das fórmulas e clichês que pasteurizam as relações do dia a dia. É a história simples de um casal idoso na semana em que vão comemorar 45 anos de casados. Quando completaram 40 anos de relacionamento ( uma data redonda, mais usual em comemorar) Geoff, o marido, estava se recuperando de uma cirurgia, o que resultou no
adiamento da comemoração em 5 anos. Geoff e Kate têm uma vida simples numa casa de campo no interior da Inglaterra. Kate sai de manhã para passear com o cachorro e vai levando uma vidinha calma e pacífica. Geoff é um pouco mais velho que Kate e mais relaxado em exercitar-se. Essa rotina quieta parece compor um cenário linear para o casal.
Kate se dedica , sem grandes correrias, aos preparativos da festa de sábado, até que uma inesperada carta vai transformando a idéia daquele evento num labirinto de emoções, dúvidas e sombras. Antes de conhecer Kate, Geoff tinha uma namorada alemã que sofreu um acidente escalando, com ele e com um guia, uma montanha nos Alpes suíços. Ela caiu numa fenda e desapareceu para sempre no gelo. A carta recebida por Geoff naquela manhã revelava que tinha sido descoberto o corpo de Kattye (era esse o seu nome) ainda encoberto por uma fina e transparente camada de gelo. O corpo estava lá intacto, ainda dificultado o acesso para resgatá-lo, congelado em sua aparência de 1966. Essa notícia transtornou Geoff a ponto de ficar obcecado com o aparecimento repentino do seu passado. Kate tinha conhecimento desse relacionamento que precedeu o seu, mas o reaparecimento daquele fantasma materializado começou a perturbá-la.
No decorrer do filme Kate vai descobrindo sombras e omissões de coisas que nunca foram ditas nem sentidas. O ser humano tem sempre uma face não revelada, mesmo para alguém que esteja ao seu lado durante 45 anos ou uma vida inteira. Num determinado momento, Kate pergunta a Geoff se ele teria se casado com Kattye se ela não tivesse morrido, Depois de tentar fugir da resposta, Geoff afirma que sim, teria casado. Essa descoberta de que as pessoas são acidentes do destino e que aqueles 45 anos não teriam acontecido dessa forma se não fosse aquela fissura no gelo provoca em Kate um sentimento novo e confuso. Essas revelações vão construindo ao longo do filme uma plataforma psicológica de sentimentos contidos e reflexões nostálgicas.
O diretor Andrew Haigh mostra segurança em estabelecer o ritmo condizente com a história dos personagens e extrai de Charlotte Rampling e Tom Courtenay desempenhos assombrosos. Haigh tem poucos filmes no currículo, mas já havia feito um bom trabalho com Week End, mostrando sua preferencia como diretor e co-roteirista por assuntos intimistas, de aprofundamento comportamental. Courtenay , um pouco ausente das telas ultimamente, fez um papel simpático em O Quarteto, aqui incorpora um personagem um tanto distante que não faz questão de ir a encontros com velhos companheiros de trabalho e parece um tanto entediado com a rotina que lhe curva os ombros. Está perfeito. A maturidade de Charlotte Rampling faz uma entrega absoluta ao personagem cheio de sentimentos que se revelam em pequenos gestos, em expressões repletas de dúvidas, incertezas e sutis emoções.
Todo esse conjunto faz de 45 ANOS o melhor filme de 2015, uma obra centrada em dois personagens, sem nenhum efeito especial, sem nenhuma peripécia, sem nenhuma pressa.
Tudo segue um ordenamento psicológico irrepreensível, inclusive a trilha sonora que aparece com um mínimo de notas e acordes, apenas como uma discreta moldura nos grandes silêncios.