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Queria que fosse você

  • Jason Prado, DP
  • Jun 25, 2017
  • 3 min read

Acordei às cinco com uma gritaria de vizinhos.Perdi o sono em pleno domingo.

O que você faz quando perde o sono, Sally?

Lembro de como você gostava dessa hora da manhã, quando a escuridão cede à penumbra. E você ficava me pedindo para escutar os pássaros, afastando minha pressa de viver com seu sorriso mais meigo. As pontas dos seus dedos cobrindo meus olhos, sua pele me aquecendo.

Na falta de um livro, e não suportando muito a mim mesmo, liguei a TV.

Nessas horas, lugares distantes e animais estranhos me levam de volta aos sonhos.

Mas então, zapeando, dei de cara com aquele outro filme que a Meg Rian fez com o Tom Hanks. Lembra? Aquele das livrarias? Na época eu não poderia dizer isso, porque não “pegava bem” que pessoas supostamente cultas, como nós, gostassem de comédias românticas, principalmente os homens.

Mas eu não tenho por quê esconder isso de você, Sally, principalmente agora, quando tantas outras máscaras caíram por terra, principalmente a juventude, e já não somos mais escravos das aparências. Eu adoro essas histórias bobinhas, esses contos de fada de hollywood.

Acho que me viciei neles nas sessões da tarde, quando a sua bonequinha de luxo me visitava sempre em companhia de Cary Grant, Grace Kelly, James Stewart, Katherine Hepburn

Acho que a formação religiosa de minha mãe me fazia acreditar nessas coisas de destino, na força da alma humana, na vitória do bem contra o mal.

Você nunca reparou, mas eu chorava nos filmes. Chorei nas tragédias. Não essas catástrofes apocalípticas de hoje, mas aquelas que sufocavam o peito com seus conflitos humanos, como os clássicos Lord Jim, Beau Geste, e os mais recentes, como A culpa é das estrelas.

E chorei em comédias românticas, dessas bem doces e coloridas, como A mulher do açougueiro, Feitos um para o outro e Mensagem para você, o filme dessa manhã.

Um choro diferente, Sally. Uma certa trava no queixo, um nó na garganta, e uma lágrima solteira relutando em sair pelo canto dos olhos…

Estive pensando se essas lágrimas, antes de serem de compaixão, não seriam um grande sentimento de perda, Sally.

Todos nós, mesmo os que se acham mais durões, passamos a vida sonhando com a pessoa encantada que vai colorir nossa existência, povoar nosso coração, compor a trilha de nossa jornada.

Passei a vida procurando essa mulher predestinada, querida Sally, e agora percebo que talvez eu não tenha dado a ninguém a chance de cumprir este papel, nem mesmo a você.

Da mesma forma que, amando, não consegui amar tanto.

Talvez eu tenha idealizado o amor; talvez eu esteja idealizando você.

Gostaria que tivéssemos tido um happy ending, que nosso último abraço tivesse sido hoje cedo. Que você ainda me puxasse para debaixo dos lençóis e me pedisse para escutar os bem-te-vis.

Mas não posso deixar de pensar como teria sido a vida de todos esses personagens.

Será que eles resistiram ao cotidiano, às bifurcações, aos caminhos cruzados? Teriam tido filhos, amigos, uma existência mundana? Como enfrentaram a passagem do tempo?

Olhando pela janela, Sally, vejo que o sol já vai alto e um frio súbito percorre a minha espinha. Esse é mais um domingo de céu azul e temperatura amena no Rio. A praia me espera.

E isso me faz pensar: não é por outra razão que as comédias românticas são tão deliciosas e nos deixam com essa gostosa sensação de querer mais. Elas terminam sempre onde a vida se transforma em rotina.

Os Bem-te-vis me chamam, Sally, e eu estou feliz por sentir saudades.

Bom domingo!

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