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A arte de Jacques Rivette - A bela intrigante

  • Luciano Bastos, DP
  • Jun 16, 2017
  • 2 min read

O processo de construção de uma obra de arte é muitas vezes opressivo, angustiante e obsessivo. No caso de uma pintura que retrate a nudez de uma linda jovem, essas questões se retroalimentam com a experiência do outro. É um pouco desse vivenciamento que vai do sublime ao inquietante que é capaz de absorver e capturar o espectador em “A bela intrigante” (La belle noiseuse), obra-prima de Jacques Rivette de 1991. Nicolas (David Burztein) é um pintor talentoso e namora a belíssima Marianne (Emmanuelle Béart). Em viagem ao sul da França, ele se propõe a conhecer a obra de um artista que muito admira, Edouard Frenhofer (Michel Piccoli). Frenhofer está há anos sem produzir, atormentado por uma obra que não conseguiu terminar que tinha Liz (Jane Birkin), sua mulher, como modelo. Com a chegada do casal, o pintor mostra seu ateliê e toda a enorme propriedade campestre que escolheu para viver, sem mostrar grande interesse nos visitantes. Quem os trouxe foi Porbus (Giles Arbona), marchand que não vê a hora de ter uma nova obra de Frenhofer nas mãos. Porbus teve no passado um caso com Liz, mulher de Frenhofer. Nesse intricado circo de vaidades, segredos e frustrações, Nicolas sugere que o pintor use sua namorada Marianne para pintar e, com isso, talvez ache neste recomeço a verdade na pintura como ele mesmo manifestou buscar. E aí começa todo um trabalho artístico em que a modelo, a princípio reticente, vai se encantando com o silêncio da criação e com a sua própria sedução. Aos poucos, ao retratar a jovem sob tantos olhares diferentes ele vai sugando também a sua alma e vai acontecendo uma distante entrega de exóticos significados. Há ali todo um processo de submissão e encantamento. Todos os personagens sofrem: o pintor, na sua busca obsessiva sem saber exatamente o que procura; a jovem, que sofre um certo sequestro de sua identidade e com isso se desinteressa pelo seu namorado e acaba rejeitando também a obra; o namorado, com sua insegurança e arrependimento; a mulher do pintor, que se vê substituída e se refugia empalhando pássaros, enfim uma galeria de personagens assombrados com a perspectiva sombria de suas existências.

O filme tem 4 horas de duração porque mostra sem nenhuma pressa um longo processo de criação, uma obra em andamento. Emmanuelle Béart entrega seu rosto e corpos perfeitos como uma bela esfinge a ser decifrada. Michel Piccolli não poderia estar melhor. Suas mãos são do pintor Bernard Dufour, retratista morto na França no ano passado. Jacques Rivette, o cineasta que junto com Truffaut, Chabrol, Godard e Rohmer fazia o quinteto inovador do Cahiers du Cinèma, tem aqui a sua obra maior. Acredito ser um filme obrigatório para quem curte o bom cinema, sobretudo por haver nele uma relação incestuosa entre a sétima arte e as artes plásticas.

Um bom filme para rever - disponível em DVD - "A arte de Jacques Rivette"

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