Marcas do nosso povo
- Jason Prado, DP
- Jun 13, 2017
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Impossível calar diante da marca brutalmente gravada na testa do jovem delinquente. Indelével, gritando em sua testa para o resto de sua vida em testemunho de um ato fugaz.
Impossível calar diante de um livro infantil marcado como inadequado para a educação, justo por educadores cuja função seria explorar seu conteúdo para “educar” - dar os instrumentos para a formação na plenitude.
Impossível calar diante do relato de Miriam Leitão, marcada em um vôo como inimiga de um grupo político, e hostilizada abertamente.
Como as prostitutas francesas marcadas a fogo com a Flor de Lis, e tantos outros mutilados em culturas mais fechadas ao longo de toda a história da humanidade.
O Brasil se apequena de um modo torpe, indigno.
Não temos as sequelas nem as mazelas de guerra, que produzem franco-atiradores em escolas, ataques terroristas em áreas de lazer, partidos conservadores incendiando bairros de imigrantes e muito menos muros que nos separem de vizinhos mais desvalidos.
Mas segue em gestação avançada um tipo de brasileiro daninho, binário, preconceituoso e agressivo: o intolerante.
Donos da verdade eterna.
Todos engajados em suas torcidas organizadas, repetindo argumentos maniqueístas e defendendo as cores do time.
Coxinhas contra mortadelas, flamenguistas contra vascaínos, evangélicos contra ecléticos… Estamos construindo uma sociedade fóbica.
Nós contra todos é a palavra de ordem.
Aquilo que nos contraria é a encarnação do mal. Este é o sentimento que extrapola os estádios (cujo nome da moda é “Arena”), e ocupa escolas, praças, plenários, aviões.
Seria ridículo responsabilizar a educação pela loucura que se delineia. A escola brasileira tem respondido à altura aos mais variados desafios de nossos tempos, a começar por abrigar e incluir uma população que dobrou de tamanho em três décadas.
Mas uma escola que não utiliza a literatura para educar, certamente é uma escola que vai ajudar a perpetuar a intolerância.
A literatura tem a capacidade, como as histórias tribais já tiveram a seu tempo, de nos apresentar às grandes questões humanas, as quais compreendemos e sentimos sem a necessidade de vivenciar.
Essa continua sendo uma falha na educação brasileira: preparar professores para a utilização da leitura e da literatura em sala de aula.
É próprio da literatura que as histórias apresentem as aflições e contradições humanas. Algumas histórias são tão lindas quanto tenebrosas. João e Maria, a Menina e a Figueira e Pele de Asno, são exemplos disso, e o último é considerado um dos grandes clássicos do gênero.
Versa exatamente sobre o incesto, tabu maior de nossa cultura, que é o tema do conto que “marcou” o belíssimo livro de José Mauro Brant como “inadequado”. Um é celebrado universalmente, o outro foi recolhido como resultado da patrulha ideológica.
É o que basta. Um veredicto - em sua etimologia, um dizer verdadeiro.
Também uma sentença de morte. Senão a morte física, como decretam os terroristas do velho mundo, uma morte metafórica, uma alijamento da vida, como no caso do adolescente; uma saída do mercado, como no caso do livro; um cerceamento da liberdade, como no caso da jornalista. São marcas que pioram com o tempo.