Quem é aquele outro que não sou eu?
- José Durval Cavalcanti de Albuquerque
- Jun 11, 2017
- 2 min read

Partindo da afirmação de que ele é o outro, o autor inicia o texto descrevendo-se, frágil, carente e medroso como uma criança diante do mundo, passando a guerreiro determinado a enfrentar o medo, os revezes da vida, seguindo para o enfrentamento na direção da vitória.
Ao se perguntar para que, responde de maneira contraditória e algo confusa dizendo que não é nada disto (a luta na direção de um ideal) porque “só viveu o eu aparente” dado que ele é outro.
Talvez a rarefação do texto encontre o seu fundamento na afirmação do autor de que ele não é. Não sendo, como poderá afirmar alguma coisa que emana da realidade ao desconsiderar sua sensibilidade diante do mundo?
Ora, uma criança que mama, vai se sabendo a partir do olhar da mãe, porém unificada, ou seja, não se sabendo uma, diferente da mãe. Na sua evolução, com a entrada de um terceiro (o pai), esta fusão é rompida, permitindo que ela possa afirmar que é.
Esta separação vai ganhando dimensão quando os pais, ou aqueles que cuidam, passam a ocupar o lugar do saber e da autoridade indiscutível no seu início, dado o desaparelhamento da criança frente ao mundo.
Este outro, vai perdendo a dimensão do saber de quem somos na medida que uma crítica própria vai se desenvolvendo, propiciando o incremento da individualização.
Bom, mas este outro nos é fundamental para nossas realizações quando a sua palavra confirma que somos amados, competentes, inteligentes, etc.
Porém, surge a pergunta: “Quem é aquele outro que não sou eu? ”, determinando uma abissal diferença entre o um e o outro, levando ás grandes dificuldades nas relações humanas, haja visto a violência referida a distinção de credos, cores e origens.
Considerando que a diferença causa transtornos e sofrimentos nas relações e sendo natural que o ser humano procura se defender, pode acontecer de se aumentar o crédito no outro, diminuindo o seu. Ou seja, a palavra deste outro, inflacionada, deixa a do um desvalorizada. Objetiva-se com isso seduzir este outro para uma certeza de aceitação, no suposto caminho mais fácil na conquista de um acolhimento, evitando as consequentes frustrações emanadas de qualquer relação.
O que fez o nosso autor? Ao começar confessando de maneira desabrida a sua situação de fragilidade e carência, solicita sua acolhida através da compaixão. Depois se pinta de lutador que resiste as emoções e adversidades para ganhar admiração. Faz qualquer negócio para receber um sinal de reconhecimento e aceitação. Mas curiosamente, ao se nadificar, não viverá um prazer, posto que, ao dizer que viveu o aparente por ser o outro, aquele que se encontra nas páginas escritas, à espera do reconhecimento do leitor.
"O outro sou eu
Assim. Triste. Desarticulado. Desejoso. Choroso.
Alegre, às vezes.
Romântico. E terno. Necessitado de ternura. Carente.
Criança. Que, crescendo, assustou-se. E volta a ser criança.
Neste livro. A recuperar-se. Traçar o rumo que desejei.
E não consegui.
Para vencer o medo, encorajei-me. Combati. Com firmeza.
Determinação. Contido. Para não chorar.
Argumentando sempre.
Ao invés da lágrima, o músculo retesado. E o enfrentamento.
O debate. E a vitória.
Para quê? Reduzi a miséria do mundo? Material,
pessoal, espiritual?
Não. Vivi o eu aparente. Apenas. Mas eu sou o outro.
Este, que está nestas páginas."
Michel Temer - Anônima Intimidade
José Durval C Cavalcanti de Albuquerque
Psiquiatra e Psicanalista