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O Questionário

  • Sérgio Bandeira de Mello,Gico
  • Jun 8, 2017
  • 2 min read

Na minha época de curso primário, cumprido integralmente em colégio público, minha professora jamais se esquecia de nos passar o trabalho de casa, dever de casa ou simplesmente o dever. Homework ainda nem era o cacete.

Era nosso dever mostrar o produto pronto em nosso caderno de casa. Sim, dona Wanda adotava esse método, talvez para melhor fiscalizar os alunos, relapsos por natureza, mais interessados no futebol de chapinha de garrafa no recreio, no pique-pega ou na merenda.

Ainda não havia tiros no pátio. Balas perdidas eram apenas Juquinhas ou caramelos Toffe esquecidos no bolso da calça curta azul-marinho que compunha o uniforme, grudadas no invólucro, derretidas pela temperatura elevada. Mas, com a competência adquirida pela experiência, era possível mastigar o papel e salvar a preciosa guloseima.

Imagino como Temer se sentiu ao receber o questionário formulado pelo Ministério Público para ser respondido em 24 horas. Costumava me sentir assim quando o tema era Ciências. Eu tremia na base por ter de responder dezenas de perguntas sobre plantas, insetos invertebrados, animais úteis ou nocivos. Inútil era o animal racional ali plantado. Pra quê?

Dividido pela responsabilidade, sabedor das consequências que viriam no dia seguinte, minha mente lutava contra as implacáveis formigas cobradas no dever. Talvez porque, naquela época, a grande inimiga do Brasil fosse a saúva. Para complicar, eram elogiadas na hoje contraditória fábula em que fazem o contraponto às cigarras. Vá entender as professoras.

Com a cabeça na bola, mas, infelizmente, não de forma literal, eu só pensava que uma modelo dente-de-leite quicava à minha espera no campinho, tronco e membros também voltados para o gol.

Temer passa pelo mesmo problema hoje, discorrer sobre a sua relação com insetos, ainda que vertebrados, e tendo que dar nome aos bois delatados pelos maiores algozes dos bovinos na face da Terra. Tem, contudo, a vantagem de conhecer profundamente a matéria, absorvida depois de inumeráveis trabalhos de casas legislativas e autoexames. Ainda assim, há de passar as 82 questões para os advogados – sempre um exercício para o domínio do plural – que já solicitaram adiamento da entrega.

Se Temer tivesse feito o seu dever naquela noite no Jaburu, não estaria enrolado nessa matéria. Só com as outras.


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