Retratos do Rio
- Jason Prado, DP
- Jun 5, 2017
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As ruas da Quitanda e da Carioca ficam no coração da cidade. Ambas datam do século XVIII, e serviram para irradiar riquezas e cultura trazidas pela corte, quando a cidade virou capital do Império Ultramarino.
O imponente prédio da South America Life Insurance Corporation, ocupando todo o quarteirão, atesta a qualidade da vizinhança: ali perto ficavam as sedes dos grandes bancos, a bolsa de valores, a Associação Comercial.
A Quitanda talvez não tenha dois quilômetros de extensão, enquanto a Carioca deve medir trezentos metros, ligando a Praça Tiradentes, onde ficam os dois maiores teatros da cidade, ao Largo que leva seu nome, no pé do Convento de Santo Antônio, onde estão os motores da economia - o BNDES, a Petrobras, a Caixa Econômica e uma das mais movimentadas estações do Metrô.
É apenas por uma idiossincrasia que ambas não se cruzam - da esquina da Uruguaiana em diante, a linha reta que um dia levou a nobreza do Paço Imperial até o Teatro Carlos Gomes troca de nome duas vezes, e no trecho da Quitanda, em homenagem ao padroeiro da Igreja que lhe interrompe o caminho do mar, já se chama Rua São José.
Hoje pela manhã percorri toda a extensão de ambas as ruas.
Não a manhã dos que vivem à noite, quando as marquises servem de abrigo para uma legião de desamparados, nem a dos madrugadores, quando a cidade é despertada pelos que chegam ao trabalho. Andei por elas à luz do dia, entre dez e onze horas.
Impossível não reparar em mais de uma centena de lojas e prédios fechados. Lojinhas, lojões, sobrados, escritórios. Placas que deveriam chamar a atenção transformadas em paisagem. Gritando em agonia a aflição daqueles que, um dia, enterraram ali os seus sonhos.
Sofrem os donos dos imóveis vazios, que deterioram e perdem a capacidade de fazer renda, lhes trazer conforto e segurança.
Sofre a cidade, que não circula riquezas, perde impostos e ganha vazios de gente e de vida. Aumenta a insegurança e a carestia.
Mas sofrem, principalmente, aqueles que apostaram suas economias, muitas vezes empenhando suas biografias, o patrimônio de seus parentes, para desenvolver alguma atividade comercial.
Só quem já viveu a intensa emoção de montar um próprio negócio pode imaginar o que significa "fechar as portas".
Antes sangrados apenas pelo estado ineficiente e corrupto, muitos desses hoje abatidos passaram a ser vampirizados pela cobiça e a ambição desmedida de senhorios iludidos com a pujança da economia fluminense.
Os aluguéis no Rio passaram de exorbitantes a vergonhosos, inexplicáveis. Compatíveis, apenas, com a farra e volúpia daqueles que roubaram do povo, que inflacionaram a vida no Rio.
Foram todos abatidos pela crise, que pulverizou o poder de compra e a vontade de gastar da população.
O centro do Rio é um triste retrato da situação nacional.
Que não passou com o impeachment da Dilma, não vai passar com a permanência do Temer e, infelizmente, não vai passar enquanto o tamanho e as funções do estado não forem redefinidas, balizadas por um verdadeiro Ethos - do dicionário: conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região.
Impossível não refletir sobre o alto contraste dessa fotografia.