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O último Primeiro Clarin

  • Sérgio Bandeira de Mello, Gico
  • Feb 4, 2017
  • 2 min read

Hoje, eu não quero sofrer. Sábado de sol, decerto muitos blocos carnavalescos deverão colorir a cidade com a consciência do preconceito encerrado nas marchinhas banidas em prol do tardio estancamento do ódio racial velado pelas máscaras da tradição.

Conforme muito bem exposto pelos movimentos sociais, esse verdadeiro apartheid musical no reinado de Momo encontra um duplo exemplo na mulata bossa-nova que caíra no ianque hully gully, ritmo nascido na Florida anticubana de Kennedy, cujos eleitores, descendentes dos inimigos de Fidel, elegeram Trump. A reação ao boicote não há de vingar na Banda de Ipanema, estrela do dia, embora a elite branca representada no bloco esteja botando a boca no trombone contra a medida.

Em evidente favorecimento às modelos brancas e magérrimas, estas exploradas pela ditadura da moda e pela inescrupulosa indústria farmacêutica, que lucra barbaramente com suas milagrosas anfetaminas, apenas os foliões assumidamente racistas insistirão em louvar a queda da mulher negra na passarela, em vez de a aludida afrodescendente ir suavemente até o chão, chão, chão, como ensina o funk de raiz executado nas nossas comunidades.

Sim, depois das advertências explícitas acerca das palavras e expressões proibidas, hoje eu não quero chorar. De raiva contra os fascistas, que fique claro. Ou patente, melhor dizendo, pra ficar tudo preto no branco.

Pois denuncio, também, o famigerado assédio sexual às colombinas, quando não os crimes ainda mais violentos perpetrados alternadamente por pierrôs e arlequins sem a proteção da Lei Maria da Penha, legislação esta destinada a coibir excessos de companheiros estáveis.

O álcool consumido nos blocos exacerba o estímulo ao feminicídio, por obra da reiterada exaltação ao triângulo amoroso, mesmo que a violência não aflore de imediato no pierrô apaixonado. Este vivia só cantando – revela a aparentemente inocente marchinha -, mas apenas antes da chegada triunfal do Ricardão fantasiado de bobo da corte de Momo. A mistura pode ser fatal quando o palhaço mascarado descobrir que o rival de bobo não tem nada. Acabará chorando por não aceitar a separação. De triste passará a desprezado, daí a desesperado, até protagonizar, passional, mais uma tragédia cotidiana.

Portanto, além das marchinhas que pregam a homofobia e o ódio racial, sugiro que os blocos também impeçam a execução das músicas que alimentem as rusgas naturais entre as conhecidas arestas do triângulo pseudoamoroso, não raro instantâneo ou fugaz, na realidade uma ode ao machismo importado dos carnavais de Veneza.

Afinal, a letra incita milhões de colombinas a passarem perdidas, de mão em mão, depois de afogadas em serpentinas. De chopes, naturalmente, o que aumentaria ainda mais a necessidade de banheiros químicos. Se já não bastassem os mijões que emporcalham a nossa cidade em fevereiro.

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