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Sessão dupla - Eu, Daniel Blake e O apartamento

  • Luciano Bastos, DP
  • Jan 12, 2017
  • 3 min read

Ontem no Estacão Ipanema às 14.30, EU, DANIEL BLAKE e logo depois, 16:30 O APARTAMENTO. Filmes excelentes e ainda com o prazer adicional de passar 4 horas no ar condicionado, enquanto lá do lado de fora fervia. Dois filmes que se debruçam com uma sinceridade impressionante sobre as questões dos seus países. Seguem os comentários:

EU, DANIEL BLAKE

O britânico Ken Loach destaca-se como um dos mais envolvidos cineastas com as questões sociais e políticas do seu país. Apesar de ter um direcionamento ideológico claramente socialista, Loach ataca firmemente os obstáculos da paralisante burocracia do Estado. Crítico severo da Inglaterra na questão escocesa e irlandesa, o cineasta preocupa-se em mostrar em seus filmes como “Terra e liberdade”, “Ventos da liberdade”, “ Rota irlandesa” , entre outros, a crença na independência, na auto determinação dos povos e nos direitos humanos. Fez vários documentários para a TV sobre a greve dos mineiros e sobre as questões sociais no Reino Unido. Essencialmente anti-colonialista, chegou a afirmar que Clement Attlee, primeiro ministro inglês que sucedeu Churchill, foi um dos políticos mais relevantes de seu país por ter implantado uma social democracia coerente com o protocolo não imperialista .

“Eu, Daniel Blake” é um filme extraordinário que conta a saga de um homem simples, com uma firmeza de caráter excepcional, que se vê numa rede repleta de nós cegos, ao tentar conseguir uma ajuda do governo por incapacitação temporária, prevista na Constituição, em função de um ataque cardíaco que tivera em plena atividade como carpinteiro em uma construção. Além das tentativas de superar seus próprios obstáculos, Dan ainda se vê responsável por uma estranha, mãe de 2 filhos, que tenta desesperadamente um trabalho que a ajude a sobreviver. Loach mostra a indiferença do Estado com essas pessoas, além de ter uma crítica ao mundo moderno e sua dependência excessiva da informatização. Não existem mais pessoas do outro lado do balcão, só máquinas. E quando há pessoas elas agem como se fossem máquinas. Por outro lado, sem ser planfetário ou maniqueísta em excesso, mostra a solidez e o valor da dignidade humana.

“Eu, Daniel Blake” é um filme sem rodeios, claro, direto, na veia. Ataca um sistema que mutila direitos das pessoas que mais precisam, mesmo que isso aconteça em países que fazem parte do primeiro mundo. Loach consegue criar uma atmosfera muito intensa que vai crescendo no decorrer da trama. O final pode até ser um tanto previsível, mas não compromete o todo. O ator Dave Johns, mais conhecido como um comediante de stand up, faz o seu papel com um carinho extraordinário e conquista desde a primeira cena. Com enorme poder de passar sinceridade na composição do seu personagem, acaba atraindo no público uma enorme vontade de abraça-lo. E a desconhecida Hayley Squires, no papel de Katie, transmite a amargura que seu papel exige. Filme imperdível.


O APARTAMENTO

( The salesman)


“ O Apartamento” de Asghar Farhadi confirma a maturidade do cinema iraniano. Embora fique um pouco abaixo de “ A separação”, obra prima do mesmo cineasta, é um filme com extraordinária capacidade de emocionar e de provocar inquietações diante das questões que coloca.

Um grupo de teatro universitário encena a peça de Arthur Miller, “ a morte do caixeiro viajante”, enquanto seus atores vão vivendo seus dramas paralelos. Há uma sutil leitura de que na peça, baseada num texto francamente ocidental, os personagens-atores possam experimentar algo diferente de seus cotidianos.

Um episódio inesperado vai resultar numa busca de responsabilidades que acaba por interferir na relação do casal e , é nesse ponto, que o filme vai mostrando as estranhezas de uma sociedade mergulhada no medo e no preconceito. Recentemente, o filme Taxi Teerã” de Jafar Panahi mostra de forma quase documental a face obscura dessa sociedade regida por uma teocracia absolutamente fechada em si mesma e ainda com o comando de um encrenqueiro chamado Mahmoud Ahmadinejah.

O cinema iraniano moderno é ainda mais admirável quando enxergamos as dificuldades que um sistema apoiado na censura impõe sobre a produção artística.

A atriz Taraneh Alidoosti é quse tão bela quato a sua conterrânea Sareh Bayat ( Nahid) e o ator Shadah Hisseini vem se tornando para o cinema iraniano um pouco daquilo que Ricardo Darin virou para o também excelente cinema argentino.

“ O apartamento” ( The salesman) foi um dos 5 candidatos ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, mas quem acabou vencendo foi o também memorável “Elle” de Paul Verhoeven.


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