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A prisão das palavras

  • Eduardo Simbalista, DP
  • Oct 7, 2016
  • 2 min read

Uma pesquisa americana vem revelar que quem tem o saudável hábito da leitura pode viver até 23% a mais. Não explica para quê nem por quê. Mas deixa a entender que a leitura não cobra preço para o mundo da fantasia e dos sonhos e ainda dá um bônus.

O velho filósofo recomendava aos novos: não se debrucem demasiadamente nos livros; podem perder, com o vício entorpecido do raciocínio estreito e da reflexão dirigida, a capacidade distanciada de livre pensar. Como o louco que se viu filósofo: os livrões de filosofia lhe desarranjaram os miolos.

Pois o conhecimento nem sempre liberta; por vezes aprisiona, como os livros fazem com as palavras. A linguagem foi inventada para esconder a verdade, para ocultar o pensamento, reconheceu Goethe: a hipérbole é um recurso lingüístico para esconder o sentimento real.

Aloysio Bello acaba de compartilhar a extraordinária entrevista de Guimarães Rosa a Günter Lorenz. Rosa, inventor de linguagem própria, lembra que “os paradoxos existem para que se possa exprimir algo para o qual não existam palavras”.

O paraguaio José Mojica diz ter alcançado nos sete anos em que esteve preso, longe dos livros, o aprendizado da reflexão. A sabedoria do silêncio interno, não a do conhecimento, e que leva à libertação, o líder Nelson Mandela admite ter alcançado na solidão da prisão.

Apenas na solidão pode-se descobrir que o diabo não existe, admitiu Rosa, como a confirmar a reclusão recomendada por Pascal, ao supor que tudo o que de pior nos acontece resulta simplesmente de não ficarmos quietos nos nossos quartos.

Reconheçamos a importância da escrita e o poder da transformação pela informação e pelo conhecimento. Lamentemos cada livraria fechada, cada biblioteca incendiada. Quem lê substitui o eu pelo outro e deixa-se possuir por uma narrativa mais forte que o leitor.

Mas a palavra, invenção humana, é imperfeita. É código de poder, convenção que se escreve da esquerda para a direita ou vice versa e que oculta reservas privadas, interesses e vaidades. Está em Nietzsche e outros.

Sem reflexão, cada qual vai encontrar nos livros somente aquilo que procura. Se o que procura é o que lhe interessa, esse interesse é naturalmente limitado à zona de conforto do conhecido ou reconhecido. Como lembrou Pitigrilli, em “A outra Verdade”, cada qual encontrará nas coisas o que nelas colocou.

As palavras podem ser liberdade e prisão O conhecimento que liberta não está nos livros.

O que liberta é a sabedoria. E a sabedoria é também uma prisão.


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