De quem é a culpa
- Eduardo Simbalista, DP
- Jun 26, 2016
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A falência do Estado. Ora, é ilusão: o Estado tudo pode. Até se romper, corromper e, numa autofagia soberana, se consumir e se destruir. E ainda continuará sendo o Estado.
A crise das instituições. De todas as instituições. Ora, é ilusão: as instituições estão todas funcionando, asseguram.
Funcionando mal. Ouvem-se os gemidos histriônicos, vagidos cômicos, sente-se o mau cheiro dos peidos vagotônicos que se espalha pelas ruas. E as ruas respondem: “não fui eu”. Antes era mais simples: para cada erro, uma confissão; para cada engano, um perdão. Hoje, não: toda resposta é não, é tudo não, não, não.
Negativas que escondem confissões, porque o tempo, ah, o tempo, corre a favor de quem conta com o esquecimento e, afinal, amanhã teremos um crime ainda maior que fará menor o crime antes maior.
Ninguém fica corado, envergonhado. Ora, sabemos que a criação é imperfeita, o homem é limitado: essa é a tragédia do humano. Já os problemas, ah, os problemas são desafios enormes e será preciso um salvador para tirar-nos da miséria e da opressão e livrar-nos da injustiça dos poderosos.
Salve-nos o temerário: “sobrar-nos-á” a libertação possível pela oração que nos vem do altar da velha deusa do lar, a televisão, pela superação de todos os males terrenos e pela utopia de um mundo melhor, depois da vírgula. Oremos: a encruzilhada dessa moderna Idade Média levará a novo Renascimento.
De quem é a culpa? Minha não é; por seguro, também não será sua. Não é de ninguém senão do outro que é o impostor, o aproveitador, o sonegador, o mentiroso e o ladrão.
Cada um de nós anda, por certo, sempre na linha. Mas cuidando sempre de que, andando na linha, o trem não nos pegue. Não nos pegue com a boca na botija, com o pé na jaca, com a mão na cumbuca.
Nos perguntamos porque há tantos ladrões impunes, tantos políticos impunes, tantos maus administradores impunes. A resposta talvez esteja no judiciário corrompido, no legislativo corrupto e no Executivo corruptor. Um cria dificuldades para vender facilidades; outro cria obras para vender mensalidades; outro atrasa julgamentos para vender iniquidades ou cria sentenças para vender falsidades.
“Que podem as leis se o ouro é senhor absoluto?
E se a pobreza jamais consegue triunfar?
E até mesmo aqueles que ostentam o magro alforje dos cínicos
Muitas vezes por belas moedas negociam a verdade.
É, pois, um negócio o austero e civil tribunal,
E o juiz não faz senão assinar o contrato.”
(Petrônio, Satyricon, Primeiras aventuras e peregrinações, 60 d. C.)
A solução é beber nixi pãe, ayahuasca ou daime.
A revelação vem suave: a culpa é da favela, do futebol, do brasileiro cordial e do carnaval.
A gente nunca conhecerá o yuxibu, o segredo do mundo.